Na passada quarta-feira, dia 19 de Novembro 2009, o nosso grupo deslocou-se à Polícia Judiciária de Matosinhos, onde tinha agendada uma entrevista com o chefe do departamento de investigação criminal, Chefe António Lage, e com o chefe de Brigada, Rui Silva.
Primeiramente, o chefe António Lage fez-nos uma breve introdução, mostrando-nos os dossiers com queixas apresentadas na PSP:
Chefe Lage: A queixa é feita na esquadra. Como é normal, é dado um despacho, que vem para aqui; de seguida, o procurador encarregado do caso, emite outro despacho, com a decisão acerca da instituição que ficará responsável pelo mesmo. Quando a investigação fica a cargo deste departamento, o agente investigador responsável vai notificar a pessoa que apresentou queixa para esta ser interrogada, ficando a saber em concreto o que se passou. Vai-se, assim, apurar ao pormenor como é que as coisas aconteceram e depois há que recolher provas, e iniciar a investigação.
Como é feita a triagem dos casos?
Chefe Lage: Vai tudo para o tribunal… O tribunal depois analisa e faz a triagem. Uns ficam lá outros vêm para aqui.
Os mais importantes ficam lá?
Chefe Lage: Depende. Há inquéritos que requerem mais emergências exteriores: de rua, interrogar pessoas, encontrar prova material, isso já é connosco e, por isso mesmo, é normal que venha para aqui. Mas isto dá muitas voltas: primeiro os casos chegam à secretaria, depois são enviados para o tribunal, que faz uma triagem e volta a enviar os casos para nós, que são posteriormente distribuídos pelos diferentes investigadores. No decorrer de um caso, vão surgindo novas pistas e é necessário fazer uma reavaliação. Isto pode andar assim uns três, quatro anos. Um exemplo de uma coisa simples: o assalto a um carro, partiram um vidro e tiraram o rádio. Pela forma como foi feito às vezes conseguimos determinar umas coisas e chegar a algum lado, outras vezes é difícil. Se usaram luvas não há impressões digitais, não há filmagens, não há nada.
Existe alguma base de dados? E pode haver cruzamento de dados?
Chefe Lage: Sim. Cruzamos dados com as finanças, com o SEF, com a segurança social, com todas essas entidades. Por exemplo, no caso de um acidente em que o responsável foge, o lesado vem apresentar queixa e conseguiu decorar um 13 e duas das letras eram AB- _ _, qualquer coisa. Vamos fazer uma comparação de viaturas; de certeza que não foi um indivíduo de faro que veio cá assaltar… até pode acontecer, mas normalmente, não. Há uma série de organismos que existem para encontrar uma pessoa. Uma pessoa pode ter mudado de morada e não a actualizar, mas para receber o rendimento mínimo altera, uma vez que têm interesse nisso. Vamos há segurança social ver os registos da pessoa que procuramos.
Posteriormente interveio o inspector Rui Silva e, com ele demos seguimento à entrevista:
(…)
Inspector Rui Silva: Antes de mais quero deixar bem claro que o CSI não existe, nem há aqui nenhum curso de CSI. Para começar, posso-vos dizer que o cérebro da investigação criminal é o ministério público, que é por excelência o titular de todas as investigações criminais; depois há as polícias, quer a PSP, quer a GNR, quer a PJ, esses são os órgãos auxiliares. Qualquer uma destas polícias quando está com uma investigação criminal pode não agir de forma isolada, podendo haver interacção entre os diferentes órgãos policiais. Os da polícia de segurança pública são os tais dos critérios de competência, há crimes que são da nossa competência e há crimes que não são da nossa competência. Normalmente, os da nossa competência, ocorrem nas grandes cidades, nas zonas urbanas, nas zonas metropolitanas e somos responsáveis por toda a parte da investigação nessa zona territorial na qual está inserida a polícia de segurança pública. A polícia de segurança pública tem duas grandes vertentes, é chamada vertente da ordem pública e a ordem; a ordem, no caso da prevenção, que é um dispositivo uniformizado: são os polícias fardados que nós vemos aí, sejam das unidades de intervenção, sejam das unidades de patrulha, seja da escola segura, etc. Todos esses fazem parte de um clube gigante que e o clube da ordem pública. Depois temos um grupo mais pequeno, mais reduzido que é o grupo da investigação criminal.
Qual é a sua função especifica aqui?
Inspector Rui Silva: Neste momento, eu estou na área do crime contra as pessoas. O que define o tipo de crime são aqueles que são catalogados pelo código penal. O código penal está dividido em títulos, em livros. Tem uma catalogação e há um capítulo que está destinado aos crimes contra as pessoas. Daqueles que são da competência da polícia de segurança pública, temos aquele que se destaca logo, que é o mais conhecido, talvez por ser aquele que causa mais impacto na sociedade, que é a violência doméstica. Depois temos as ofensas, as ameaças… Dentro das ofensas, existem aquelas que vão contra a integridade física, ou seja, as agressões. Por outro lado, as ameaças são aqueles que atingem números mais elevados. Os outros são mais residuais.
Nesses casos que metodologias são utilizadas?
Inspector Rui Silva: As metodologias, de uma forma geral, regem-se por um padrão constante. São exemplo disso, as tais perguntas que nós ouvimos e vemos nos filmes, nesses conversas de café: “quem?”, “como?”, “quando?”, “onde?” e o “porquê?”. São as perguntas base de qualquer investigação criminal. A investigação criminal tem como objectivo a procura da verdade material, mas podemos ter aqui duas coisas distintas: uma delas é termos um crime que foi praticado por um desconhecido, então temos de procurar quem é esse desconhecido; outra é recolher a prova e não chega nós sabermos ou dizermos ou pressupormos que foi determinado indivíduo que cometeu aquele crime, isto de certezas do povo não há condenações. Há que haver a prova e há que haver a recolha da prova. A prova divide-se em prova testemunhal que são as pessoas que vêm testemunhar, que vêm dizer que há uma testemunha que viu, há um vizinho que sabe; e em prova material que são as recolhas de impressões digitais, de ADN, de objectos, tudo isto… Agora não há um modelo a seguir, não há aqui um manual de boas práticas. A investigação criminal é dinâmica, e cada processo tem uma dinâmica própria. Nós temos que nos ir adaptando à evolução daquele processo em concreto. Não podemos pegar na estratégia que foi utilizada para um processo e pensar que ele serve para todos. Há um processo em que nós temos duas testemunhas; há outro em que não temos testemunha nenhuma; há outros em que há uma impressão digital e ainda outros em que temos ADN. Não há aqui um modelo de padrão a seguir. Há uma linha, há os dados processuais que são obrigatórios, portanto se nós temos uma testemunha temos que ouvir a testemunha. Temos que saber o que é que ela tem para nos dizer. Não podemos dizer assim: “não vamos ouvir esta testemunha, ela tem 1,80m, olhos castanhos, não vai dizer a verdade”; não sabemos! Não podemos partir destes pressupostos, temos que ouvir as pessoas todas. São as diligências próprias que são obrigatórias, mas isso é do senso comum. Quanto às técnicas não há assim nada de fantástico. Há a experiência, que ajuda muito.
Qual a pessoa responsável por encabeçar os processos? Existe liberdade por parte do investigador?
Inspector Rui Silva: O investigador do processo tem que ter liberdade, porque se nós estamos a falar de estratégia, a estratégia não é igual para todos; nós não temos a mesma visão do mesmo assunto. Podemos ter todos a mesma vontade e o mesmo anseio de chegar ao mesmo objectivo; o fim pode ser igual para todos, agora os caminhos que nos levam a chegar ao fim podem variar de pessoa para pessoa e variam com toda a certeza. Variam logo na escolha do dia certo para fazer determinada diligência: “qual é o dia em que eu devo ouvir esta pessoa?” Parece uma coisa menor…: “Qual é a diferença de ser a uma segunda ou a uma terça?”, mas pode não ser. Atendendo a um caso em concreto: imaginem que estamos a falar de um caso de violência doméstica; se calhar, ouvir a pessoa numa altura em que ela está mais fragilizada pode trazer mais alguma prova. Em casos de violência doméstica, acontece muitas vezes que a mulher vem apresentar queixa, mas passado dois dias é esta mesma mulher que vem interromper o procedimento criminal. Tem de haver aqui qualquer coisa (que não sou eu quem tem esses conhecimentos para vos explicar, talvez um psicólogo vos possa fazer uma explicação melhor); portanto essas metodologias do investigador são-lhe livres. Porém, é aqui que entra o chefe de brigada, tendo como função coordenar os investigadores, pois um investigador não pode ser responsável pelos actos dos outros. Quanto à limitação, vem da própria lei, vem do código do processo penal, e são só essas.
Quando alguém vem testemunhar, há algum método para apurar se estão a mentir ou a dizer a verdade?
Inspector Rui Silva: É o próprio investigador que faz isso. Se a pessoa tiver jeito para mentir, não há nenhuma outra forma de detectar essa mentira. Agora, se eu tenho aqui um sistema de vigilância ou se tenho aqui impressões digitais que me colocam aquela pessoa, que ainda é testemunha, num local de crime, eu tenho provas, é impossível ela dizer que nunca lá esteve; manifestamente esta a mentir Aí deixa de ser testemunha, pois passa a assumir outra figura porque esta a cometer um crime. Agora se a pessoa vem, e vem convincente do que vem dizer e se desempenhar um papel bem desempenhado, é muito difícil, numa 1ª análise, talvez depois na análise de todo o processo seja mais fácil, porque depois vão-se detectar inconsistências
Agora a nível mais pessoal, houve algum caso que o tenha marcado particularmente?
Inspector Rui Silva: Não, há investigações que me deram mais prazer do que outras, mas não houve nenhuma que me tivesse marcado propriamente. Eu quando intervenho no processo, já intervenho numa fase em que ele está a andar, já tenho de conhecer a estratégia do investigador. Fez-me a pergunta e eu lembrei-me logo de 4 ou 5, portanto não há uma, há várias. Há várias que superaram, nem foi tanto aquelas que mais me marcaram ou que mais me recordo com facilidade, não foi tanto aquelas que atingiram objectivos estrondosos de câmaras de televisão, de aberturas de televisão, não foi nada, não foram essas. Foram, sim, aquelas que na altura que começam, começam voltadas para o insucesso, aquelas em que pensamos “isto não vai dar nada”: não há matéria, não há testemunhas, não há prova material, não há as tais impressões digitais, não há aquelas coisas do CSI, não há nada. E começamos, porque temos de começar e ou tropeçamos porque tivemos um momento de infelicidade ou também por mérito do investigador aquilo começou a andar e chegamos a um objectivo, a um fim que nunca imaginávamos.
Como é que cá chegou?
Inspector Rui Silva: Eu concorri. Concorri em 1999. Prestei provas escritas, concorri a um concurso interno aqui na polícia, fui a uma entrevista e fui aceite. Não se pode aceder à investigação criminal directamente do exterior, tem que se ingressar primeiro na polícia e só depois de estar dentro da polícia é só depois é que se pode candidatar à investigação criminal, do mesmo modo que se candidata a outras funções na polícia. Prestei as provas escritas de natureza criminal, na área do direito e depois fizemos uma inferência. Foi o processo de selecção na altura que foi utilizado.
E acha que esta profissão interfere muito com a sua vida pessoal?
Inspector Rui Silva: Eu digo-lhes já que não, mas o meu conceito de horário de trabalho é diferente do vosso com toda a certeza. Portanto, temos aqui um problema de conceitos. Se me perguntar, se a minha esposa, que é funcionária num banco, se calhar a ela faz-lhe confusão, porque não é o padrão de funcionamento do emprego dela. A nós, polícias, é diferente. Nós estamos formatados, se me permitem a expressão, para não ter um horário fixo, estamos mentalizados de que não temos horários fixos de trabalho, sendo certo que há uma maior inconstância dos nossos horários. Mas eu vivo bem com isto, não tenho problema nenhum de viver com isto. É uma questão de hábito.
Relativamente aos processos, que tipo de processos chegam aqui ao departamento?
Inspector Rui Silva: Por aqui passa um pouco de tudo: desde o mais básico, o mais simples como um indivíduo que se esqueceu de renovar a licença, até ao mais complexo, como é exemplo o homicídio. Para aqui vêm essencialmente cerca de 85% dos crimes cometidos em Portugal, que são os furtos (em viaturas, nas residências, aos estudantes, etc).
O gosto por esta área foi algo que foi ganhado pela experiência ou uma vontade que vêm já desde a infância?
Inspector Rui Silva: Esta área é um gosto que se vai ganhando. E aí essa coisa de criança, em criança quis ser muitas coisas. Uma delas era polícia, mas também me lembro que quis ser bombeiro e piloto de aviões. Se calhar por não conseguir ir para as outras duas é que acabei por vir para a polícia (risos). Quando eu cheguei à investigação criminal isto era um mundo novo para mim; era uma questão diferente, metodologias de trabalho diferentes, objectivos diferentes, realidades diferentes. Portanto, fui aprendendo. Fui aprendendo primeiro como é que se faz e depois é que fui aprendendo a gostar. Enquanto não aprendi como é que se faz foi difícil gostar.
E deixa alguma sugestão às pessoas que queiram seguir esta área?
Inspector Rui Silva: As pessoas que agora são muito influenciadas pelo CSI. O CSI, o CSI não existe. Vamos desmistificar isto. O CSI, enquanto aquela figura toda embelezada, que eles ao fim de 50 minutos conseguiram encontrar o responsável por determinados crimes, isso não existe. O que existe é um conjunto de técnicas que levam aqueles resultados. Agora, aquelas 3 ou 4 pessoas, que fazem de polícias, fazem de técnicos de ADN, fazem de técnicos de fotografia, eles fazem de tudo. Na realidade, há equipas que fazem aquilo, não é. Equipas. O que nós vemos no CSI são um conjunto de técnicas e de saberes de diferentes áreas, que vão desde o químico, ao biólogo, ao físico, ao médico... São formações de raiz e depois há uma especialização. Reparem, grande parte das técnicas que são realizadas cá em Portugal, como por exemplo o perfil de ADN, são feitas pelos peritos de medicina legal. A mesma coisa acontece com o nosso laboratório de polícia científica que é constituído por pessoas de diferentes áreas.
Na polícia científica, quais é que são as especializações?
Inspector Rui Silva: Tem a área da química, a da biologia, a da datiloscopia, lofoscopia, a da análise do ADN, tem a balística, ou seja tem tudo… tudo que interfira com a área da investigação criminal. Eu só sei quando é preciso um exame, nós requisitamos e ele aparece feito. (risos)
Queremos também agradecer ao Chefe Lage e ao Inspector Rui Silva a enorme simpatia e disponibilidade com que nos receberam.
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
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