quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Entrevista integral com duas professoras da UFP

Na passada quinta-feira, dia 12 de Novembro, o nosso grupo deslocou-se à Universidade Fernando Pessoa, onde tinha agendada uma entrevista com duas professoras do curso de criminologia: a professora Ana Isabel Sani, de vitimologia; e a professora Madalena Oliveira, que irá leccionar a disciplina de perspectivas sociológicas do crime, no segundo semestre e que, neste primeiro semestre, também lecciona vitimologia.

Em que consiste a vitimologia?
Professora Ana Isabel Sani: Como o próprio nome indica vitimologia é o estudo da vítima, nas suas diversas vertentes, não só na sua vertente individual, mas também no estudo, por exemplo, de até que ponto determinado tipo de perspectivas teóricas nos permitem fazer uma melhor leitura do porquê de determinados grupos serem mais vítimas do que outros. Nós sabemos, por exemplo, que existem diferenças de género: as mulheres, em alguns casos, são mais vitimas que os homens, como é o caso da violência conjugal, da violação, etc. Portanto, há também um estudo das perspectivas teóricas que nos permitem fazer esta leitura do porquê que o fenómeno da vitimação pode ocorrer mais num género que noutro, numas classes sociais do que noutras.. A vitimologia inclui também o estudo de programas de intervenção, de como podemos prevenir e combater o fenómeno é o estudo da vítima nas suas diferentes vertentes, não é só a vertente individual mas também na sua vertente social, intervenção pública

Qual o contributo desta disciplina para a investigação criminal?
Professora Ana Isabel Sani:
Quando estudamos o fenómeno criminal, não nos podemos situar somente no estudo de quem pratica as ofensas, não podemos estar só a situar o estudo no ofensor. Se quisermos perceber o crime e o fenómeno criminal em si, temos de perceber a tal relação que pode existir entre ofensor e vitima. Portanto a vitimologia surge um pouco depois da criminologia e permite-nos perceber o crime através da análise da relação que existe entre as várias partes que estão envolvidas nela: o ofensor, a vitima, perceber se há alguma ligação entre ambos (… ) e a partir daí também surgem algumas medidas do estudo do crime mais especificas que não somente as estatísticas do ministério da justiça (que são aquelas que as pessoas mais conhecem) que não dizem tudo porque há muitos crimes que não estão contidos nas estatísticas oficiais, como é o caso das cifras negras[…], dos quais são exemplo os casos de violação que não são registados, aqueles em que as vitimas não denunciam e portanto o estudo da vitimologia passa também por perceber o que existe e que não esta registado, porque isso acontece, que factores podem eventualmente explicar a maior ou menor visibilidade de determinados crimes, é um bocadinho por aí.

Que métodos ou técnicas são utilizados para apurar os indícios de um crime?
Professora Ana Isabel Sani: Aquilo que é mais usado, são os chamados inquéritos de vitimação, que são uma espécie de questionário que nós passamos à população e que nos permite mais ou menos aferir o tipo de crime que aquelas pessoas podem ter sido vitimas. Passando isto à população em geral nós vamos ter alguma probabilidade de, nessa população, encontrarmos pessoas que também tenham sido vitimas de crime. Quando estamos a falar em vítimas de crime, estamos a falar em todo o tipo de crimes. Desde crimes como furtos, injúrias, todo o tipo de crime e portanto se nós tivermos a probabilidade de encontrar pessoas que tenham passado por essa situação elas provavelmente nos podem dar mais respostas pertinentes do género “como foi?” , “quando foi?” , “quem eventualmente praticou a ofensa?”, “se foi de dia se foi de noite?”, permite-nos de alguma forma esmiuçar um pouco mais o conhecimento acerca do fenómeno criminal. Os outros métodos que não são tanto utilizados na vitimologia são as estatísticas e os inquéritos que são mais direccionados ao ofensor.

Agora a título mais pessoal, qual os motivos que a levaram a seguir essa área?
Professora Ana Isabel Sani:
(risos) Pois, isto é um bocadinho mais complicado de explicar.. A minha formação de base é psicologia, depois especializei-me na área da psicologia jurídica, e inicialmente comecei a trabalhar nesta área, mas mais voltada para a delinquência juvenil. Estagiei em colégios, numa equipa de reinserção, conheci mais ou menos o que era trabalhar com esta problemática e depois, por alguma coincidência, comecei a trabalhar com vítimas e comecei a gostar muito mais de auxiliar as vítimas e de trabalhar com elas. A minha vinda para a vitimologia que depois explorei em termos de mestrado e doutoramento teve um bocadinho a ver com o investimento prático na intervenção, uma vez que me envolvi com uma comissão de protecção de menores, e a pratica depois também nos ajuda a gostar. Teve a ver efectivamente com a prática não era assim uma coisa construída de base, do género “eu gostava de ir para ali”, não, eu fui experimentando, fui gostando mais de trabalhar com crianças, com vitimas de crime, de auxiliar, de saber como poderia auxiliar, enfim, senti que poderia ser um pouco mais útil nesta área do que noutra.

Professora Madalena Oliveira: (risos) A minha formação de base é assistência social; comecei por um estágio na Associação Portuguesa de Apoio a Vítima, posteriormente trabalhei com crianças e jovens em risco, e quando tive de me decidir por uma área optei pelas ciências forenses, tirei mestrado em ciências forenses, e depois especializei-me também em vitimologia e tive como coordenadora a professora Ana Isabel Sani.

Disse-nos à pouco que tinha tirado mestrado em ciências forenses. Poderia falar-nos um pouco sobre isso?
Professora Madalena Oliveira:
Em primeiro lugar é importante ter uma ideia do que são as ciências forenses: inclui todo um leque de ciências como a psicologia, sociologia, a medicina, todas as cadeiras nas áreas forenses. Por exemplo eu tive toxicologia, genética, tanatolologia, depois cadeiras mais relacionados com estudos epistimológicos feito nas áreas das Ciências Forenses e todas as questões relacionadas com técnica de investigação através da Policia Judiciaria, trabalhamos também situações de carácter mais criminológico, a criminologia, questões jurídicas...
O balanço que eu faço é positivo, é muito positivo e é cada vez mais um assunto mais requisitado. Queria deixar bem presente que não estamos a falar de crime sobre investigação, de CSI’s, estamos numa realidade completamente distinta, e que se faz aqui em Portugal. Normalmente nessas séries televisivas, num episódio de uma hora conseguem resolver um caso, nós aqui demoramos meio ano ou mais, isto quando se resolvem. É importante que se tenha essa noção de que as coisas não são assim tão simples e há que fazer um distanciamento da ficção para a realidade

Professora Ana Isabel Sani: Eu só queria fazer um pequeno à parte. Quando estamos a falar em Ciências Forenses, estamos a falar não só da parte criminal, mas sim de tudo aquilo que o tribunal nos possa pedir. Assim, a vitimologia, e todas estas perspectivas são diferentes disciplinas que podem dar o seu contributo para a decisão final do tribunal. E isto não significa que ciências forenses sejam o mesmo que crime, por exemplo podemos falar de situações de regulação do poder paternal, em que os pais se separam e o filho tem de ficar com alguém, ou em situações de adopção de crianças, tudo isto está relacionado com ciências forenses, recorre ao tribunal, mas não tem a ver com crime. Não há ofensor ou vítima, mas sim um conflito entre partes. Isto é para vocês também perceberem que o leque e muito abrangente. A psicologia também pode ser psicologia forense, o nosso curso por exemplo divide-se em vários ramos como a psicologia jurídica, em que os diferentes psicólogos vão trabalhar especificamente para os tribunais.

E como classificaria o interesse dos seus alunos por esta disciplina?
Professora Madalena Oliveira: Pela vitimologia, eu diria que é mediano (risos), porque os alunos que vêm para criminologia vêm muito voltados para a questão do ofensor, não sei se de alguma forma iludidos pelas questões mais mediáticas, tudo aquilo que é o crime, o criminoso, quem pratica. Só começam a conhecer a vitimologia quando efectivamente a têm ao nível da licenciatura. Acho que o olhar deles ainda é um bocadinho voltado para o criminoso, para o ofensor, mas o balanço tem sido positivo, nota-se pela assistência às aulas, e pelo interesse demonstrado no decorrer destas. Quando entram para o curso, têm uma ideia predefinida que vão desmontando quando vão tendo essas diferentes unidades curriculares que vocês estão a explorar, e começam a perceber que o fenómeno criminal não está sempre voltado para o ofensor, tem muito mais que se lhe diga. E agora também com as novas tecnologias, com os Media, eles vão começando a perceber que o campo do estudo do crime é transfronteiriço.

Professora Ana Isabel Sani: As perspectivas sociológicas são uma cadeira diferente da vitimologia, mas nós começamos primeiro com as perspectivas biológicas, psicológicas e sociológicas do crime e apenas no segundo ano é leccionada a cadeira de vitimologia, ou seja, no 2º ano eles já fizeram todas as outras abordagens anteriormente referidas, potenciando assim que os alunos percebam de uma forma mais explícita de que de facto também existe o outro lado, a vítima.

Professora Madalena Oliveira: Nas perspectivas sociológicas há uma abordagem muito teórica, e as aula tornam-se um pouco mais maçudas, apesar de eu sentir que os alunos gostavam destas aulas, mas dentro desta cadeira, o que lhes cativa mais é o perfil psicológico dos ofensores, os vários tipos de violadores, tudo o que esteja relacionado com uma parte mais prática desperta maior interesse pela cadeira, e o balanço é positivo.

A título de curiosidade, que género de trabalhos é que os alunos desenvolvem nestas área?
Professora Madalena Oliveira:
Eles neste momento estão a desenvolver trabalhos de investigação na área da vitimologia em que lhes foram dados alguns temas; trabalhos esses que vão ser apresentados num colóquio ou em conferências futuras, mas são trabalhos mais relacionados com o tráfico humano, bullying, violação, e todo esse tipo de problemáticas.
Professora Ana Isabel Sani: O que nós pedimos nesta cadeira é que investissem na prática, portanto alguns vão fazer entrevistas a técnicos que trabalham com vítimas nestas diferentes problemáticas, vão explorar essas diferentes entidades que trabalham com o apoio à vítima, como a Comissão para a Igualdade do Género, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, às polícias, também a profissionais que estão em contacto com a vitima no terreno, a fim de desenvolver um olhar um pouco mais real sobre os diferentes fenómenos que eles estão a trabalhar.

Agora relativamente à disciplina de perspectivas sociológicas do crime. Em que consiste esta disciplina e em que difere dos outros dois tipos de perspectivas de estudo (biológicas e psicológicas) ?
Professora Madalena Oliveira: Basicamente, nas perspectivas sociológicas vamos abordar o fenómeno criminal perante as várias perspectivas, desde teorias da rotulagem, feministas, todo o tipo de teorias que são consideradas teorias sociológicas do crime.

Professora Ana Isabel Sani: No curso, de facto, existe essa divisão em perspectivas biológicas, psicológicas e sociológicas do crime, porque existem muitas teorias e muitos aspectos a serem abordados. A ideia é tentar demonstrar o que é que cada um destes aspectos contribui para a leitura do fenómeno criminal. Quando se começou a estudar o fenómeno criminal, as primeiras teorias que apareceram foram as biológicas, ou seja tentavam explicar que o crime era um fenómeno natural e que havia pessoas que já nasciam com tendência para o crime e dentro disso, desenvolveram-se outras teorias, como por exemplo as de que determinado tipo de hormonas influenciaria o comportamento, ou as de que determinados neurotransmissores potenciavam comportamentos que favoreciam o crime, os próprios traços das pessoas, ou seja tudo aquilo que possa estar relacionado com a biologia. As perspectivas psicológicas resultaram da evolução histórica e da percepção de que alguns crimes não resultavam só da vertente biológica, que resultavam também da motivação da pessoa, e começou-se a tentar estudar o indivíduo internamente, tentando ver se eram fenómenos psicológicos ou se eram questões de patologia. E depois apareceram as perspectivas sociológicas, em que a certa altura se começa a perceber que a própria sociedade ou o modo como a sociedade esta organizada de modo a potenciar o crime, desde as desigualdades sociais que existem, que uns têm acesso a algumas coisas e outros não, todo o tipo de desigualdades em si que a sociedade pode criar, enfim, diferenças e essas diferenças podem potenciar o crime. Portanto aquilo que e dado pelas perspectivas sociológicas é um pouco a componente de que diferenças de género que podem potenciar o crime, diferenças de estatuto social e económico podem influenciar o crime, se a sociedade for desorganizada pode potenciar o crime, portanto há diferentes perspectivas sociológicas que serão utilizadas para explicar o fenómeno criminal. Por exemplo, tenta-se explicar porque que as classes mais desfavorecidas são mais propícias a cometer o crime.

Queremos reforçar o nosso agradecimento a estas duas professoras que se mostraram completamente disponíveis para esclarecer as nossas questões.

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