quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Entrevista integral no departamento da PJ de Matosinhos

Na passada quarta-feira, dia 19 de Novembro 2009, o nosso grupo deslocou-se à Polícia Judiciária de Matosinhos, onde tinha agendada uma entrevista com o chefe do departamento de investigação criminal, Chefe António Lage, e com o chefe de Brigada, Rui Silva.

Primeiramente, o chefe António Lage fez-nos uma breve introdução, mostrando-nos os dossiers com queixas apresentadas na PSP:
Chefe Lage: A queixa é feita na esquadra. Como é normal, é dado um despacho, que vem para aqui; de seguida, o procurador encarregado do caso, emite outro despacho, com a decisão acerca da instituição que ficará responsável pelo mesmo. Quando a investigação fica a cargo deste departamento, o agente investigador responsável vai notificar a pessoa que apresentou queixa para esta ser interrogada, ficando a saber em concreto o que se passou. Vai-se, assim, apurar ao pormenor como é que as coisas aconteceram e depois há que recolher provas, e iniciar a investigação.

Como é feita a triagem dos casos?
Chefe Lage: Vai tudo para o tribunal… O tribunal depois analisa e faz a triagem. Uns ficam lá outros vêm para aqui.

Os mais importantes ficam lá?
Chefe Lage: Depende. Há inquéritos que requerem mais emergências exteriores: de rua, interrogar pessoas, encontrar prova material, isso já é connosco e, por isso mesmo, é normal que venha para aqui. Mas isto dá muitas voltas: primeiro os casos chegam à secretaria, depois são enviados para o tribunal, que faz uma triagem e volta a enviar os casos para nós, que são posteriormente distribuídos pelos diferentes investigadores. No decorrer de um caso, vão surgindo novas pistas e é necessário fazer uma reavaliação. Isto pode andar assim uns três, quatro anos. Um exemplo de uma coisa simples: o assalto a um carro, partiram um vidro e tiraram o rádio. Pela forma como foi feito às vezes conseguimos determinar umas coisas e chegar a algum lado, outras vezes é difícil. Se usaram luvas não há impressões digitais, não há filmagens, não há nada.

Existe alguma base de dados? E pode haver cruzamento de dados?
Chefe Lage:
Sim. Cruzamos dados com as finanças, com o SEF, com a segurança social, com todas essas entidades. Por exemplo, no caso de um acidente em que o responsável foge, o lesado vem apresentar queixa e conseguiu decorar um 13 e duas das letras eram AB- _ _, qualquer coisa. Vamos fazer uma comparação de viaturas; de certeza que não foi um indivíduo de faro que veio cá assaltar… até pode acontecer, mas normalmente, não. Há uma série de organismos que existem para encontrar uma pessoa. Uma pessoa pode ter mudado de morada e não a actualizar, mas para receber o rendimento mínimo altera, uma vez que têm interesse nisso. Vamos há segurança social ver os registos da pessoa que procuramos.

Posteriormente interveio o inspector Rui Silva e, com ele demos seguimento à entrevista:
(…)
Inspector Rui Silva: Antes de mais quero deixar bem claro que o CSI não existe, nem há aqui nenhum curso de CSI. Para começar, posso-vos dizer que o cérebro da investigação criminal é o ministério público, que é por excelência o titular de todas as investigações criminais; depois há as polícias, quer a PSP, quer a GNR, quer a PJ, esses são os órgãos auxiliares. Qualquer uma destas polícias quando está com uma investigação criminal pode não agir de forma isolada, podendo haver interacção entre os diferentes órgãos policiais. Os da polícia de segurança pública são os tais dos critérios de competência, há crimes que são da nossa competência e há crimes que não são da nossa competência. Normalmente, os da nossa competência, ocorrem nas grandes cidades, nas zonas urbanas, nas zonas metropolitanas e somos responsáveis por toda a parte da investigação nessa zona territorial na qual está inserida a polícia de segurança pública. A polícia de segurança pública tem duas grandes vertentes, é chamada vertente da ordem pública e a ordem; a ordem, no caso da prevenção, que é um dispositivo uniformizado: são os polícias fardados que nós vemos aí, sejam das unidades de intervenção, sejam das unidades de patrulha, seja da escola segura, etc. Todos esses fazem parte de um clube gigante que e o clube da ordem pública. Depois temos um grupo mais pequeno, mais reduzido que é o grupo da investigação criminal.

Qual é a sua função especifica aqui?
Inspector Rui Silva: Neste momento, eu estou na área do crime contra as pessoas. O que define o tipo de crime são aqueles que são catalogados pelo código penal. O código penal está dividido em títulos, em livros. Tem uma catalogação e há um capítulo que está destinado aos crimes contra as pessoas. Daqueles que são da competência da polícia de segurança pública, temos aquele que se destaca logo, que é o mais conhecido, talvez por ser aquele que causa mais impacto na sociedade, que é a violência doméstica. Depois temos as ofensas, as ameaças… Dentro das ofensas, existem aquelas que vão contra a integridade física, ou seja, as agressões. Por outro lado, as ameaças são aqueles que atingem números mais elevados. Os outros são mais residuais.

Nesses casos que metodologias são utilizadas?
Inspector Rui Silva:
As metodologias, de uma forma geral, regem-se por um padrão constante. São exemplo disso, as tais perguntas que nós ouvimos e vemos nos filmes, nesses conversas de café: “quem?”, “como?”, “quando?”, “onde?” e o “porquê?”. São as perguntas base de qualquer investigação criminal. A investigação criminal tem como objectivo a procura da verdade material, mas podemos ter aqui duas coisas distintas: uma delas é termos um crime que foi praticado por um desconhecido, então temos de procurar quem é esse desconhecido; outra é recolher a prova e não chega nós sabermos ou dizermos ou pressupormos que foi determinado indivíduo que cometeu aquele crime, isto de certezas do povo não há condenações. Há que haver a prova e há que haver a recolha da prova. A prova divide-se em prova testemunhal que são as pessoas que vêm testemunhar, que vêm dizer que há uma testemunha que viu, há um vizinho que sabe; e em prova material que são as recolhas de impressões digitais, de ADN, de objectos, tudo isto… Agora não há um modelo a seguir, não há aqui um manual de boas práticas. A investigação criminal é dinâmica, e cada processo tem uma dinâmica própria. Nós temos que nos ir adaptando à evolução daquele processo em concreto. Não podemos pegar na estratégia que foi utilizada para um processo e pensar que ele serve para todos. Há um processo em que nós temos duas testemunhas; há outro em que não temos testemunha nenhuma; há outros em que há uma impressão digital e ainda outros em que temos ADN. Não há aqui um modelo de padrão a seguir. Há uma linha, há os dados processuais que são obrigatórios, portanto se nós temos uma testemunha temos que ouvir a testemunha. Temos que saber o que é que ela tem para nos dizer. Não podemos dizer assim: “não vamos ouvir esta testemunha, ela tem 1,80m, olhos castanhos, não vai dizer a verdade”; não sabemos! Não podemos partir destes pressupostos, temos que ouvir as pessoas todas. São as diligências próprias que são obrigatórias, mas isso é do senso comum. Quanto às técnicas não há assim nada de fantástico. Há a experiência, que ajuda muito.

Qual a pessoa responsável por encabeçar os processos? Existe liberdade por parte do investigador?
Inspector Rui Silva: O investigador do processo tem que ter liberdade, porque se nós estamos a falar de estratégia, a estratégia não é igual para todos; nós não temos a mesma visão do mesmo assunto. Podemos ter todos a mesma vontade e o mesmo anseio de chegar ao mesmo objectivo; o fim pode ser igual para todos, agora os caminhos que nos levam a chegar ao fim podem variar de pessoa para pessoa e variam com toda a certeza. Variam logo na escolha do dia certo para fazer determinada diligência: “qual é o dia em que eu devo ouvir esta pessoa?” Parece uma coisa menor…: “Qual é a diferença de ser a uma segunda ou a uma terça?”, mas pode não ser. Atendendo a um caso em concreto: imaginem que estamos a falar de um caso de violência doméstica; se calhar, ouvir a pessoa numa altura em que ela está mais fragilizada pode trazer mais alguma prova. Em casos de violência doméstica, acontece muitas vezes que a mulher vem apresentar queixa, mas passado dois dias é esta mesma mulher que vem interromper o procedimento criminal. Tem de haver aqui qualquer coisa (que não sou eu quem tem esses conhecimentos para vos explicar, talvez um psicólogo vos possa fazer uma explicação melhor); portanto essas metodologias do investigador são-lhe livres. Porém, é aqui que entra o chefe de brigada, tendo como função coordenar os investigadores, pois um investigador não pode ser responsável pelos actos dos outros. Quanto à limitação, vem da própria lei, vem do código do processo penal, e são só essas.

Quando alguém vem testemunhar, há algum método para apurar se estão a mentir ou a dizer a verdade?
Inspector Rui Silva:
É o próprio investigador que faz isso. Se a pessoa tiver jeito para mentir, não há nenhuma outra forma de detectar essa mentira. Agora, se eu tenho aqui um sistema de vigilância ou se tenho aqui impressões digitais que me colocam aquela pessoa, que ainda é testemunha, num local de crime, eu tenho provas, é impossível ela dizer que nunca lá esteve; manifestamente esta a mentir Aí deixa de ser testemunha, pois passa a assumir outra figura porque esta a cometer um crime. Agora se a pessoa vem, e vem convincente do que vem dizer e se desempenhar um papel bem desempenhado, é muito difícil, numa 1ª análise, talvez depois na análise de todo o processo seja mais fácil, porque depois vão-se detectar inconsistências

Agora a nível mais pessoal, houve algum caso que o tenha marcado particularmente?
Inspector Rui Silva:
Não, há investigações que me deram mais prazer do que outras, mas não houve nenhuma que me tivesse marcado propriamente. Eu quando intervenho no processo, já intervenho numa fase em que ele está a andar, já tenho de conhecer a estratégia do investigador. Fez-me a pergunta e eu lembrei-me logo de 4 ou 5, portanto não há uma, há várias. Há várias que superaram, nem foi tanto aquelas que mais me marcaram ou que mais me recordo com facilidade, não foi tanto aquelas que atingiram objectivos estrondosos de câmaras de televisão, de aberturas de televisão, não foi nada, não foram essas. Foram, sim, aquelas que na altura que começam, começam voltadas para o insucesso, aquelas em que pensamos “isto não vai dar nada”: não há matéria, não há testemunhas, não há prova material, não há as tais impressões digitais, não há aquelas coisas do CSI, não há nada. E começamos, porque temos de começar e ou tropeçamos porque tivemos um momento de infelicidade ou também por mérito do investigador aquilo começou a andar e chegamos a um objectivo, a um fim que nunca imaginávamos.

Como é que cá chegou?
Inspector Rui Silva: Eu concorri. Concorri em 1999. Prestei provas escritas, concorri a um concurso interno aqui na polícia, fui a uma entrevista e fui aceite. Não se pode aceder à investigação criminal directamente do exterior, tem que se ingressar primeiro na polícia e só depois de estar dentro da polícia é só depois é que se pode candidatar à investigação criminal, do mesmo modo que se candidata a outras funções na polícia. Prestei as provas escritas de natureza criminal, na área do direito e depois fizemos uma inferência. Foi o processo de selecção na altura que foi utilizado.

E acha que esta profissão interfere muito com a sua vida pessoal?
Inspector Rui Silva:
Eu digo-lhes já que não, mas o meu conceito de horário de trabalho é diferente do vosso com toda a certeza. Portanto, temos aqui um problema de conceitos. Se me perguntar, se a minha esposa, que é funcionária num banco, se calhar a ela faz-lhe confusão, porque não é o padrão de funcionamento do emprego dela. A nós, polícias, é diferente. Nós estamos formatados, se me permitem a expressão, para não ter um horário fixo, estamos mentalizados de que não temos horários fixos de trabalho, sendo certo que há uma maior inconstância dos nossos horários. Mas eu vivo bem com isto, não tenho problema nenhum de viver com isto. É uma questão de hábito.

Relativamente aos processos, que tipo de processos chegam aqui ao departamento?
Inspector Rui Silva: Por aqui passa um pouco de tudo: desde o mais básico, o mais simples como um indivíduo que se esqueceu de renovar a licença, até ao mais complexo, como é exemplo o homicídio. Para aqui vêm essencialmente cerca de 85% dos crimes cometidos em Portugal, que são os furtos (em viaturas, nas residências, aos estudantes, etc).

O gosto por esta área foi algo que foi ganhado pela experiência ou uma vontade que vêm já desde a infância?
Inspector Rui Silva: Esta área é um gosto que se vai ganhando. E aí essa coisa de criança, em criança quis ser muitas coisas. Uma delas era polícia, mas também me lembro que quis ser bombeiro e piloto de aviões. Se calhar por não conseguir ir para as outras duas é que acabei por vir para a polícia (risos). Quando eu cheguei à investigação criminal isto era um mundo novo para mim; era uma questão diferente, metodologias de trabalho diferentes, objectivos diferentes, realidades diferentes. Portanto, fui aprendendo. Fui aprendendo primeiro como é que se faz e depois é que fui aprendendo a gostar. Enquanto não aprendi como é que se faz foi difícil gostar.

E deixa alguma sugestão às pessoas que queiram seguir esta área?
Inspector Rui Silva: As pessoas que agora são muito influenciadas pelo CSI. O CSI, o CSI não existe. Vamos desmistificar isto. O CSI, enquanto aquela figura toda embelezada, que eles ao fim de 50 minutos conseguiram encontrar o responsável por determinados crimes, isso não existe. O que existe é um conjunto de técnicas que levam aqueles resultados. Agora, aquelas 3 ou 4 pessoas, que fazem de polícias, fazem de técnicos de ADN, fazem de técnicos de fotografia, eles fazem de tudo. Na realidade, há equipas que fazem aquilo, não é. Equipas. O que nós vemos no CSI são um conjunto de técnicas e de saberes de diferentes áreas, que vão desde o químico, ao biólogo, ao físico, ao médico... São formações de raiz e depois há uma especialização. Reparem, grande parte das técnicas que são realizadas cá em Portugal, como por exemplo o perfil de ADN, são feitas pelos peritos de medicina legal. A mesma coisa acontece com o nosso laboratório de polícia científica que é constituído por pessoas de diferentes áreas.

Na polícia científica, quais é que são as especializações?
Inspector Rui Silva: Tem a área da química, a da biologia, a da datiloscopia, lofoscopia, a da análise do ADN, tem a balística, ou seja tem tudo… tudo que interfira com a área da investigação criminal. Eu só sei quando é preciso um exame, nós requisitamos e ele aparece feito. (risos)


Queremos também agradecer ao Chefe Lage e ao Inspector Rui Silva a enorme simpatia e disponibilidade com que nos receberam.

Entrevista integral com duas professoras da UFP

Na passada quinta-feira, dia 12 de Novembro, o nosso grupo deslocou-se à Universidade Fernando Pessoa, onde tinha agendada uma entrevista com duas professoras do curso de criminologia: a professora Ana Isabel Sani, de vitimologia; e a professora Madalena Oliveira, que irá leccionar a disciplina de perspectivas sociológicas do crime, no segundo semestre e que, neste primeiro semestre, também lecciona vitimologia.

Em que consiste a vitimologia?
Professora Ana Isabel Sani: Como o próprio nome indica vitimologia é o estudo da vítima, nas suas diversas vertentes, não só na sua vertente individual, mas também no estudo, por exemplo, de até que ponto determinado tipo de perspectivas teóricas nos permitem fazer uma melhor leitura do porquê de determinados grupos serem mais vítimas do que outros. Nós sabemos, por exemplo, que existem diferenças de género: as mulheres, em alguns casos, são mais vitimas que os homens, como é o caso da violência conjugal, da violação, etc. Portanto, há também um estudo das perspectivas teóricas que nos permitem fazer esta leitura do porquê que o fenómeno da vitimação pode ocorrer mais num género que noutro, numas classes sociais do que noutras.. A vitimologia inclui também o estudo de programas de intervenção, de como podemos prevenir e combater o fenómeno é o estudo da vítima nas suas diferentes vertentes, não é só a vertente individual mas também na sua vertente social, intervenção pública

Qual o contributo desta disciplina para a investigação criminal?
Professora Ana Isabel Sani:
Quando estudamos o fenómeno criminal, não nos podemos situar somente no estudo de quem pratica as ofensas, não podemos estar só a situar o estudo no ofensor. Se quisermos perceber o crime e o fenómeno criminal em si, temos de perceber a tal relação que pode existir entre ofensor e vitima. Portanto a vitimologia surge um pouco depois da criminologia e permite-nos perceber o crime através da análise da relação que existe entre as várias partes que estão envolvidas nela: o ofensor, a vitima, perceber se há alguma ligação entre ambos (… ) e a partir daí também surgem algumas medidas do estudo do crime mais especificas que não somente as estatísticas do ministério da justiça (que são aquelas que as pessoas mais conhecem) que não dizem tudo porque há muitos crimes que não estão contidos nas estatísticas oficiais, como é o caso das cifras negras[…], dos quais são exemplo os casos de violação que não são registados, aqueles em que as vitimas não denunciam e portanto o estudo da vitimologia passa também por perceber o que existe e que não esta registado, porque isso acontece, que factores podem eventualmente explicar a maior ou menor visibilidade de determinados crimes, é um bocadinho por aí.

Que métodos ou técnicas são utilizados para apurar os indícios de um crime?
Professora Ana Isabel Sani: Aquilo que é mais usado, são os chamados inquéritos de vitimação, que são uma espécie de questionário que nós passamos à população e que nos permite mais ou menos aferir o tipo de crime que aquelas pessoas podem ter sido vitimas. Passando isto à população em geral nós vamos ter alguma probabilidade de, nessa população, encontrarmos pessoas que também tenham sido vitimas de crime. Quando estamos a falar em vítimas de crime, estamos a falar em todo o tipo de crimes. Desde crimes como furtos, injúrias, todo o tipo de crime e portanto se nós tivermos a probabilidade de encontrar pessoas que tenham passado por essa situação elas provavelmente nos podem dar mais respostas pertinentes do género “como foi?” , “quando foi?” , “quem eventualmente praticou a ofensa?”, “se foi de dia se foi de noite?”, permite-nos de alguma forma esmiuçar um pouco mais o conhecimento acerca do fenómeno criminal. Os outros métodos que não são tanto utilizados na vitimologia são as estatísticas e os inquéritos que são mais direccionados ao ofensor.

Agora a título mais pessoal, qual os motivos que a levaram a seguir essa área?
Professora Ana Isabel Sani:
(risos) Pois, isto é um bocadinho mais complicado de explicar.. A minha formação de base é psicologia, depois especializei-me na área da psicologia jurídica, e inicialmente comecei a trabalhar nesta área, mas mais voltada para a delinquência juvenil. Estagiei em colégios, numa equipa de reinserção, conheci mais ou menos o que era trabalhar com esta problemática e depois, por alguma coincidência, comecei a trabalhar com vítimas e comecei a gostar muito mais de auxiliar as vítimas e de trabalhar com elas. A minha vinda para a vitimologia que depois explorei em termos de mestrado e doutoramento teve um bocadinho a ver com o investimento prático na intervenção, uma vez que me envolvi com uma comissão de protecção de menores, e a pratica depois também nos ajuda a gostar. Teve a ver efectivamente com a prática não era assim uma coisa construída de base, do género “eu gostava de ir para ali”, não, eu fui experimentando, fui gostando mais de trabalhar com crianças, com vitimas de crime, de auxiliar, de saber como poderia auxiliar, enfim, senti que poderia ser um pouco mais útil nesta área do que noutra.

Professora Madalena Oliveira: (risos) A minha formação de base é assistência social; comecei por um estágio na Associação Portuguesa de Apoio a Vítima, posteriormente trabalhei com crianças e jovens em risco, e quando tive de me decidir por uma área optei pelas ciências forenses, tirei mestrado em ciências forenses, e depois especializei-me também em vitimologia e tive como coordenadora a professora Ana Isabel Sani.

Disse-nos à pouco que tinha tirado mestrado em ciências forenses. Poderia falar-nos um pouco sobre isso?
Professora Madalena Oliveira:
Em primeiro lugar é importante ter uma ideia do que são as ciências forenses: inclui todo um leque de ciências como a psicologia, sociologia, a medicina, todas as cadeiras nas áreas forenses. Por exemplo eu tive toxicologia, genética, tanatolologia, depois cadeiras mais relacionados com estudos epistimológicos feito nas áreas das Ciências Forenses e todas as questões relacionadas com técnica de investigação através da Policia Judiciaria, trabalhamos também situações de carácter mais criminológico, a criminologia, questões jurídicas...
O balanço que eu faço é positivo, é muito positivo e é cada vez mais um assunto mais requisitado. Queria deixar bem presente que não estamos a falar de crime sobre investigação, de CSI’s, estamos numa realidade completamente distinta, e que se faz aqui em Portugal. Normalmente nessas séries televisivas, num episódio de uma hora conseguem resolver um caso, nós aqui demoramos meio ano ou mais, isto quando se resolvem. É importante que se tenha essa noção de que as coisas não são assim tão simples e há que fazer um distanciamento da ficção para a realidade

Professora Ana Isabel Sani: Eu só queria fazer um pequeno à parte. Quando estamos a falar em Ciências Forenses, estamos a falar não só da parte criminal, mas sim de tudo aquilo que o tribunal nos possa pedir. Assim, a vitimologia, e todas estas perspectivas são diferentes disciplinas que podem dar o seu contributo para a decisão final do tribunal. E isto não significa que ciências forenses sejam o mesmo que crime, por exemplo podemos falar de situações de regulação do poder paternal, em que os pais se separam e o filho tem de ficar com alguém, ou em situações de adopção de crianças, tudo isto está relacionado com ciências forenses, recorre ao tribunal, mas não tem a ver com crime. Não há ofensor ou vítima, mas sim um conflito entre partes. Isto é para vocês também perceberem que o leque e muito abrangente. A psicologia também pode ser psicologia forense, o nosso curso por exemplo divide-se em vários ramos como a psicologia jurídica, em que os diferentes psicólogos vão trabalhar especificamente para os tribunais.

E como classificaria o interesse dos seus alunos por esta disciplina?
Professora Madalena Oliveira: Pela vitimologia, eu diria que é mediano (risos), porque os alunos que vêm para criminologia vêm muito voltados para a questão do ofensor, não sei se de alguma forma iludidos pelas questões mais mediáticas, tudo aquilo que é o crime, o criminoso, quem pratica. Só começam a conhecer a vitimologia quando efectivamente a têm ao nível da licenciatura. Acho que o olhar deles ainda é um bocadinho voltado para o criminoso, para o ofensor, mas o balanço tem sido positivo, nota-se pela assistência às aulas, e pelo interesse demonstrado no decorrer destas. Quando entram para o curso, têm uma ideia predefinida que vão desmontando quando vão tendo essas diferentes unidades curriculares que vocês estão a explorar, e começam a perceber que o fenómeno criminal não está sempre voltado para o ofensor, tem muito mais que se lhe diga. E agora também com as novas tecnologias, com os Media, eles vão começando a perceber que o campo do estudo do crime é transfronteiriço.

Professora Ana Isabel Sani: As perspectivas sociológicas são uma cadeira diferente da vitimologia, mas nós começamos primeiro com as perspectivas biológicas, psicológicas e sociológicas do crime e apenas no segundo ano é leccionada a cadeira de vitimologia, ou seja, no 2º ano eles já fizeram todas as outras abordagens anteriormente referidas, potenciando assim que os alunos percebam de uma forma mais explícita de que de facto também existe o outro lado, a vítima.

Professora Madalena Oliveira: Nas perspectivas sociológicas há uma abordagem muito teórica, e as aula tornam-se um pouco mais maçudas, apesar de eu sentir que os alunos gostavam destas aulas, mas dentro desta cadeira, o que lhes cativa mais é o perfil psicológico dos ofensores, os vários tipos de violadores, tudo o que esteja relacionado com uma parte mais prática desperta maior interesse pela cadeira, e o balanço é positivo.

A título de curiosidade, que género de trabalhos é que os alunos desenvolvem nestas área?
Professora Madalena Oliveira:
Eles neste momento estão a desenvolver trabalhos de investigação na área da vitimologia em que lhes foram dados alguns temas; trabalhos esses que vão ser apresentados num colóquio ou em conferências futuras, mas são trabalhos mais relacionados com o tráfico humano, bullying, violação, e todo esse tipo de problemáticas.
Professora Ana Isabel Sani: O que nós pedimos nesta cadeira é que investissem na prática, portanto alguns vão fazer entrevistas a técnicos que trabalham com vítimas nestas diferentes problemáticas, vão explorar essas diferentes entidades que trabalham com o apoio à vítima, como a Comissão para a Igualdade do Género, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, às polícias, também a profissionais que estão em contacto com a vitima no terreno, a fim de desenvolver um olhar um pouco mais real sobre os diferentes fenómenos que eles estão a trabalhar.

Agora relativamente à disciplina de perspectivas sociológicas do crime. Em que consiste esta disciplina e em que difere dos outros dois tipos de perspectivas de estudo (biológicas e psicológicas) ?
Professora Madalena Oliveira: Basicamente, nas perspectivas sociológicas vamos abordar o fenómeno criminal perante as várias perspectivas, desde teorias da rotulagem, feministas, todo o tipo de teorias que são consideradas teorias sociológicas do crime.

Professora Ana Isabel Sani: No curso, de facto, existe essa divisão em perspectivas biológicas, psicológicas e sociológicas do crime, porque existem muitas teorias e muitos aspectos a serem abordados. A ideia é tentar demonstrar o que é que cada um destes aspectos contribui para a leitura do fenómeno criminal. Quando se começou a estudar o fenómeno criminal, as primeiras teorias que apareceram foram as biológicas, ou seja tentavam explicar que o crime era um fenómeno natural e que havia pessoas que já nasciam com tendência para o crime e dentro disso, desenvolveram-se outras teorias, como por exemplo as de que determinado tipo de hormonas influenciaria o comportamento, ou as de que determinados neurotransmissores potenciavam comportamentos que favoreciam o crime, os próprios traços das pessoas, ou seja tudo aquilo que possa estar relacionado com a biologia. As perspectivas psicológicas resultaram da evolução histórica e da percepção de que alguns crimes não resultavam só da vertente biológica, que resultavam também da motivação da pessoa, e começou-se a tentar estudar o indivíduo internamente, tentando ver se eram fenómenos psicológicos ou se eram questões de patologia. E depois apareceram as perspectivas sociológicas, em que a certa altura se começa a perceber que a própria sociedade ou o modo como a sociedade esta organizada de modo a potenciar o crime, desde as desigualdades sociais que existem, que uns têm acesso a algumas coisas e outros não, todo o tipo de desigualdades em si que a sociedade pode criar, enfim, diferenças e essas diferenças podem potenciar o crime. Portanto aquilo que e dado pelas perspectivas sociológicas é um pouco a componente de que diferenças de género que podem potenciar o crime, diferenças de estatuto social e económico podem influenciar o crime, se a sociedade for desorganizada pode potenciar o crime, portanto há diferentes perspectivas sociológicas que serão utilizadas para explicar o fenómeno criminal. Por exemplo, tenta-se explicar porque que as classes mais desfavorecidas são mais propícias a cometer o crime.

Queremos reforçar o nosso agradecimento a estas duas professoras que se mostraram completamente disponíveis para esclarecer as nossas questões.